Esta carta foi enviada pela Érica para a nossa lista de discussões.
Vale a pena ler.
Carta a um amigo do Brasil
Caro amigo,
"Como se chega à Pedagogia Freinet?"
você me pergunta. Ainda que eu considere meu percurso pessoal não exemplar,
quero tentar dizer-lhe o que me levou a procurar e, depois, a executar (mas
você verá que esses dois momentos são, de fato, confundidos, uma vez que
alimentados um pelo outro) um outro modo de ser, uma outra maneira de viver com
meus alunos.
Mas espero, antes de mais nada, deixar bem claro
que cada um, em função do que é, do que vive, das condições afetivas, técnicas,
com as quais trabalha, age de uma maneira inevitavelmente pessoal, age como
crê, como sente, movido somente por uma vontade de estar, ao nível da ação, de
acordo com a teoria.
Espero também dizer que, antes de tudo, a
Pedagogia Freinet seja, principalmente, uma maneira de ser mais do que um modo
de fazer, a prática pedagógica provindo naturalmente de uma reflexão sobre o
sentido da vida, sobre o sentido do homem.
Antes de conhecer as idéias de Freinet, ensinei
como qualquer professor na França; quero dizer, sem uma formação pedagógica
muito específica, os diplomas abrindo as portas ao ensino, sem que, naquela
época (mas a melhora não me parece ainda suficiente e consistente), a
preparação fosse, de fato, objeto de uma reflexão aprofundada.
Ensinei, então, como me haviam
"mostrado", com a vontade, pois essa profissão me apaixonava, de ser
eficaz, de ensinar a meus alunos o que me exigiam que eles aprendessem e sem me
preocupar com o que eles pudessem ser em profundidade. Julgava de maneira
peremptória o ser pensante que tinha diante de mim e não conhecia quase nada do
ser sensível.
Fui, portanto, por vários anos, alguém que
distribuía saber a inteligências que, quisessem ou não recebê-lo (pudessem, ou
não)... isso não era problema meu. Eu também me havia submetido a essa forma de
ensino...
Mas, quando fui encarregado de ensinar desenho,
me dei conta rapidamente da falta de realidade daquilo que fazia e,
naturalmente, da falta de entusiasmo de meus alunos por uma "disciplina
" que eu amava, mas que não considerava como um meio de expressão, ou
melhor, que não sabia utilizar como tal. Ensinava meus alunos a realizar aquilo
que eu queria que soubessem fazer, sem pensar que poderiam, graças à sua
própria iniciativa, dar uma dimensão diferente a esta aprendizagem.
Inculcava-lhes uma técnica que não passava de treino, de reprodução, de cópia,
etc... Jamais, na realidade, se apresentava como uma verdadeira criação,
motivada por um desejo profundo de dizer alguma coisa.
Esta incoerência me pareceu logo evidente e
minhas aulas de desenho tomaram, então, um outro rumo. Pouco a pouco, pois é
preciso convencer-se de que isto é muito importante, organizei em meu trabalho
momentos durante os quais cada um usufruía do prazer de "criar"
segundo o seu próprio desejo, utilizando de início as técnicas que havíamos
estudado juntos e, depois, ficando livre de qualquer linha diretiva imposta por
mim. Mesmo assim, quando analisava os resultados, os trabalhos acabados, eu os
considerava criações de cada um, mas não sabia ainda ligá-los à vida própria de
cada indivíduo. É bem verdade que eu era
o instigador e que o ritmo imposto por mim e o horário não permitiam muita
autonomia. Todos esses desenhos, esses trabalhos, eram para mim peças soltas,
objetos distintos Não reconhecia neles momentos essenciais dos seres nem o fato de poderem estar contidos num clima
global de expressão livre... Tudo isto programado por mim deixava-me longe da
expressão livre, tal como a concebo hoje.
Entretanto, esta primeira reflexão já me havia
emocionado (devo dizer a mesma coisa dos contatos "diferentes" com
meus alunos), e, se bem que meu modo de ensinar o francês não houvesse mudado,
minha atitude, minhas relações com os alunos começaram a evoluir, rumo a uma
maior flexibilidade nos julgamentos que eu costumava fazer, rumo a uma maior
escuta também. Tive consciência de que não tinha mais, frente a mim, receptores
dóceis, mas seres que lançavam um eco, que vibravam. No plano pessoal tinha
desejo de criar, mas, me encontrava ainda nos balbucios e fazia uns rabiscos.
(Jamais mostrei minhas primeiras tentativas a ninguém, tão pouco seguro de mim
eu eral).
Não me lembro de ter tido, a esta época, trocas
sobre pedagogia com meus outros colega. A prática pessoal não era então um
ponto a ser abordado, e só se valorizavam o êxito escolar e a autoridade
pessoal. Nenhuma inovação era, a priori, recusada (mas não era muito
encorajada, sobretudo em se tratando de um principiante!). Estávamos, meus
colegas e eu, dentro de uma máquina que nos parecia bem montada e que deveria
continuar avançando, sem gerar preocupações com as coisas em profundidade: as
discussões entre colegas jamais abordavam a pedagogia; cada um fazia o seu
"trabalho" em classe, receando as visitas do supervisor, queixando-se
dos alunos, contando os episódios mais felizes ou mais engraçados das aulas, e
ficava tudo por aí. Nunca havia lugar para análises pessoais: eu tinha direito,
apesar disso, por ser jovem e iniciante aos conselhos freqüentes do diretor,
professor antigo, que me propunha o seu modo de trabalhar, eficaz..
Eu ensinava como me haviam ensinado e, com
muitos anos de distância, reproduzia, afinal, o mesmo modelo, a mesma maneira
de ser, o mesmo sistema de relações. Era uma certeza de estabilidade das
instituições! Eu estava seguro de mim e não punha à prova, de maneira alguma, o
meu ensino, já que era o mesmo que praticavam à minha volta! Nunca havia ouvido
falar de Freinet, que, àquela época, ainda vivia, e de toda uma organização
que, havia mais de quarenta anos, lutava para que as pessoas se interessassem
pelas idéias que ele propunha.Não tinha também, devo dizer, curiosidade
pedagógica e lia apenas para meu prazer, para minha “cultura pessoal",
como se diz. Nunca tive a idéia de procurar ler livros muito sérios ou muito
tediosos, como pensava que se definiam as obras que tratavam de Pedagogia! E, no
entanto, pouco tempo depois.. que prazer ao ler Freinet, Piaget, Illich! ...
Foi necessária uma mudança de cargo, para que
tudo balançasse. Após seis anos desse ensino "tradicional " (este
termo é utilizado aqui sem intenção pejorativa), mudei de departamento e fui
nomeado para um outro estabelecimento, em tudo idêntico àquele que deixava, ou,
pelo menos, era assim que pensava (a visão exterior das coisas induz facilmente
ao erro!). Cheguei, portanto, com minhas idéias, minha prática e confiaram-me
novas turmas, novos alunos. Recomecei, pois, a ensinar francês, história,
geografia e desenho como no passado, sem problemas. Até o dia em que senti
(isso algumas semanas após o início das aulas) que alguma coisa não ia bem
entre meus alunos e eu. Longe de mim, certamente, a ideia de pensar que eu ia
mal, que devia refletir sobre o que fazia, que devia modificar minha atitude.
Não. (Embora...) Tudo o que acontecia vinha desses novos alunos, diferentes,
nos quais eu via todos os defeitos possíveis. Sustentava minha atitude
autoritária, sempre procurando meios de melhor fazê-los engolir o que eu tinha
a dizer, o que eu devia ensinar-lhes. É num momento como este que se começa a
ler revistas pedagógicas, à procura de receitas... pois, ao final das contas,
não me sentia lá muito à vontade... Nada mais dava certo, as aulas não eram
mais agradáveis, reinava uma surda hostilidade. Alguns de meus alunos, aqueles
que eu não havia conseguido intimidar demais com a secura dos meus contatos,
haviam-me sussurrado que eles não estavam habituados a trabalhar como eu lhes
propunha, que antes (com o atual diretor) eles trabalhavam "de outra
forma". No início, não quis saber de nada; mas rapidamente foi necessário
render-me à evidência: eu aborrecia meus alunos e aborrecia-me também. Não se
pode passar a vida assim (enfim, creio que a atitude atual de certos colegas
meus provava-me o contrário), aborrecendo-se e aborrecendo as pessoas,
sobretudo neste campo!
Tive, pois, um primeiro contato com o diretor,
professor, no ano anterior, dos meus alunos e... foi graças a ele, graças a
eles também, que eu comecei realmente a refletir. São necessários na
existência, às vezes, encontros como esse que, de um só golpe, nos abre o
espírito.
Ele havia praticado com eles a Pedagogia
Freinet, desse Freinet que acabava de morrer, cuja morte não havia sido para
mim mais que uma notícia de jornal, ainda que para meu amigo Pierre ela fosse
muito mais do que isso (Eu o compreenderia mais tarde!).
E, dessa forma, pus o pé no estribo, como se
diz, escutando, questionando, seguro que estava de poder contar com ele, com
sua escuta atenta e sobretudo sua ajuda preciosa. Pois isso agora me instigava!
Mas não se passa, de um dia para o outro, de uma atitude autoritária a uma
outra que acolhe e ajuda. Ninguém se transforma, de um dia para outro, naquele
que escuta, quando era sempre ele quem falava; naquele que acolhe, quando era
sempre ele quem decidia; naquele que reparte, quando era sempre quem julgava!
Li muito, escutei e, pouco a pouco, sem “soltar
as duas mãos ao mesmo tempo”, introduzi em minha prática pedagógica momentos
durante os quais meus alunos tomavam a atitude de se organizar , de criar,
segundo sua vontade. Nao eram senão "momentos" num percurso escolar,
"pontilhados", que permitiam a meus alunos respirarem, e a mim,
descobrir outros aspectos de sua personalidade.
Sentia que esta atitude convinha mais ao que eu
era e, uma vez que me sabia ajudado por colegas prontos a me apoiar (isso,
malgrado todas as dificuldades), apressei-me em rever tudo o que até aquele
momento havia considerado como imutável; meu papel de "magister".
Meus alunos ajudaram-me bastante e meus filhos
também. Comecei a pensar em ser educador e não, apenas, em ensinar. Seguindo os
conselhos de Pierre Quéromain (o diretor do colégio), agi com prudência, apesar
do entusiasmo que tomava conta de mim, e, apesar de tudo, cometi muitos erros
por falta de jeito. Pois é, sem dúvida, extraordinário este entusiasmo, quando
a gente se vê colocado diante de uma outra realidade, realidade na qual os
alunos aparecem como seres humanos completos, quando a gente compreende que se
deve levar em conta suas esperanças e suas fraquezas.
É por demais importante falar nesse momento do
mestre que, questionando sempre sua realidade, deve, ele também, fazer seu
próprio tatear. Portanto, vejo hoje que vivi sempre seguindo idéias de outros,
até o dia em que tomei o compromisso de encontrar essa gente chamada
"Freinet", durante um estágio de que participei, no mesmo ano, em
Chambéry, em 1968. Lá encontrei pessoas normais, as quais considerei, à
primeira vista, formidáveis,
simplesmente extraordinárias porque não procediam como as que
habitualmente encontrava; elas "respiravam" de outra formal. Sabiam
dizer do que viviam com tanto calor, que era contagioso; e com tanta
simplicidade também! Aprendi com elas muita modéstia. Aprendi com elas a
ausência de julgamento peremptório. Questionei muito. Estava tomado pelo
"vírus".
No ano seguinte recomecei meu "ano
escolar", colorindo-o ainda mais de tudo o que havia vivido, seguro de uma
ajuda, tanto a nível do meu colégio, como a nível departamental e nacional,
onde sabia encontrar, quando tinha necessidade, uma ajuda eficaz, livre de
dogmatismo, livre desse poder que se liga à regulamentação oficial. E isso é,
creio eu, o que importa, quando se começa. Deve-se poder encontrar, e saber que
se pode encontrar, perto da gente (quando se está longe, e é o mais comum,
escreve-se), pessoas que, amigavelmente, saberão receber o que a gente faz,
saberão escutar a gente e dizer: "Bem, veja o que você faz e que não está
dando certo. Não julgo que isso seja "mau", mas, você já pensou em...
eu faço isto... tente e você me dirá...". De qualquer modo creio que, se
se toma em relação às crianças que nos foram confiadas uma atitude de acolhimento,
de ajuda, de escuta, de exigência também, já se está no "bom
caminho", se assim se pode dizer. E cada um deve encontrar as soluções que
lhe são possíveis, em função do que se vive. Mas, a ajuda do companheiro faz um
bem imenso quando as coisas não estão dando certo.
Não me cansarei de dizer o quanto é importante
este companheirismo entre os seres, que exclui o julgamento, que é tanto escuta
quanto colaboração, tanto aceitação quanto proposta. E isto nada mais é que a
"parte do mestre", nos grupos Freinet, diante daqueles que começam;
como em sala o professor tem sua parte frente ao tateamento de seus alunos. E
eu discuti, e escrevi numerosas cartas, para as quais sempre obtive resposta; e
segui outros estágios, encontrei outras pessoas a quem sempre perguntei muito e
que jamais recusaram uma resposta.
Um dia foi minha vez de dizer o que vivia, o que
tentava, e foi assim que assumi um papel de "animador", tanto quanto,
aliás, continuo sempre. sendo "animado" ainda, mesmo hoje, quando
poderia dizer: "Veja, tenho tantos anos de reflexões e de pesquisas atrás
de mim, sei das coisas, portanto (Como um velho combatente!)". Não!
Continuo à escuta de meus camaradas, dos quais preciso e que sabem oferecer-me
ainda muito e sempre.
Isto é um princípio do nosso movimento,
Instituto Cooperativo da Escola Moderna -ICEM -, no qual não há mestres e sim
camaradas que trabalham no mesmo sentido para que tudo evolua. E mesmo, e
sobretudo, junto a "estagiários" que chegam às minhas turmas (pois
desde que se tenha um pouco de experiência, de "bagagem", as
instâncias acadêmicas sabem muito bem utilizar-se da gente e, portanto, confiam
na gente com vistas à formação pedagógica de jovens mestres), portanto, dizia,
mesmo junto a meus estagiários aprendo muito, pois eles sempre me trazem alguma
coisa, pela reflexão que me impõem, pelo olhar crítico que lançam sobre o que
faço e pelas discussões que nos animam.
Sei que não terminei meu tateamento
(felizmente), que todas as minhas dúvidas com relação a mim mesmo, com relação
à vida, não estão encerradas! E quando, no ano passado, estive no Centro
Educacional de Niterói -CEN -, aí ainda descobri muitas coisas, a experiência
me ajudou a organizar idéias, a mim, privilegiado em minha profissão.
A partir desse momento, portanto, fiz uma opção.
Todos esses anos me levaram, durante meu tateamento pessoal, a ler Freinet e,
em particular, a Pedagogia do Bom Senso (Les dits de Mathieu), depois, o Ensaio
de Psicologia Sensível e A Educação do Trabalho. Não é por acaso que cito essas
obras nesta ordem. Parece-me que isso corresponde a tudo que vivi e ao
conhecimento que tenho das idéias de Freinet e de sua aplicação à prática
pedagógica. Ler A Pedagogia do Bom Senso é entregar-se a uma filosofia da existência
que, por parecer simplista aos olhos de alguns, é também, ao menos para mim,
uma fonte inesgotável de bom senso. Pois, antes de tudo, e esta é minha posição
atual, penso que as idéias de Freinet são, em primeiro lugar, uma vontade de
conceber a existência humana de uma outra maneira, numa época em que a
realidade dos seres está. tão prejudicada pela máquina, pela facilidade, pela
preguiça. É, para mim, reencontrar, de alguma maneira, a própria essência da
existência. Como, com efeito, conceber a vida de outra forma que não a de urna
busca contínua, de um saber viver, que não tem nenhuma relação com a busca de
um saber estéril, que ignora completamente a realidade sensível dos indivíduos?
No Princípio, há a vida ("A vida é", diz Freinet), este impulso que
cada ser sente em si e que o empurra a fazer-se sem cessar, este impulso de
vida que requer tantos esforços, não para se elevar acima dos outros, nesta
emulação sórdida que alguns inculcam em seus alunos (na sociedade dos adultos é
exatamente a mesma coisa, com tudo o que isso comporta, de compromissos,
covardia, egoísmo), mas para conseguir-se ser de maneira serena e completa,
participando de maneira real e responsável no "devenir" de toda uma
sociedade à qual, por bem, mais do que por mal, a gente pertence, ou melhor,
deve pertencer. E isto, malgrado tudo o que a sociedade vá colocar, desde o
começo, como barreira enormes, a nível social, por exemplo.
O que me seduziu nas idéias de Freinet foi esta
dimensão universal do "devenir" do homem, não mais fixado na sua
própria realização somente, mas consciente de sua participação em um conjunto
em evolução e, portanto, consciente de sua própria implicação no movimento
desta evolução. (Isto pode parecer utopia. Reportemo-nos à característica
popular das idéias de Freinet, se você pensa assim.).
Para tanto, deve-se querer conhecer os seres, e
o ‘Ensaio da Psicologia Sensível’ (minhas constatações "in vivo" se
confirmavam) ajudou-me muito a refletir e a trabalhar. A partir daí, pude lançar
sobre o pequenino povo de meus alunos um outro olhar, totalmente diferente
daquele que tinha antes, e que não era senão um olhar de jujz, se posso dizer,
de "avaliador" (e tudo isso, segundo critérios estabelecidos desde há
muito tempo, semelhantes àqueles aos quais me havia submetido).
Com efeito, que me importava a vida profunda de
meus alunos? O que me parecia essencial era, de início, sua permeabilidade às
minhas propostas, às minhas lições. Minhas conclusões não se fixavam a não ser
na franja, na superfície, portanto, de seu intelecto, de sua facilidade de
aprender, de sua capacidade de memorizar e de reutilizar o que eu lhes levava,
sem me preocupar com seus desejos profundos, sem me preocupar com seus poderes
criativos originais. Eu não era aquele que tinha como tarefa a instrução de um
grupo de crianças no domínio que me era reservado por meu "status" de
professor, mas aquele que se fixava também, e sobretudo, na educação de
indivíduos globais, tornados em sua totalidade viva, com tudo o que isso pode
supor de aproximação, liberdade, escuta, acolhimento e exigência.
Pois, de fato, tudo muda e as coisas são muito
menos simples. Parece-me, hoje, mais fácil não ser senão um fornecedor de
saber, que não se preocupa demais com o impacto do que faz, ou que se preocupa
apenas com uma franja atenta de seu auditório, que sabe pronto, por suas
próprias qualidades de inteligência, para tudo o que for proposto. (Um certo
número de mestres não trabalha, com efeito, senão para uma elite, que sabe
fazer emergir do conjunto, para a qual todos os esforços de explicação são
bons?) Mas, e os outros? Nas idéias de Freinet foi também o que me agradou,
esta dimensão popular do saber, que, destinado ao enriquecimento pessoal de
cada ser, supõe, ao mesmo tempo, que este enriquecimento não se faça em
detrimento da coletividade, mas por ela e para ela, a fim de que cada um
desempenhe realmente um papel responsável.
Dizia eu que era mais fácil ser o mestre
fornecedor de conhecimentos. É, então, tão difícil ser diferente? Desconfio dos
rótulos, e em nome de que vou, então, reivindicá-los? Tomo a precaução de dizer
que o que escrevo não compromete senão o espírito de nosso grupo, que quer que
cada um mantenha suas próprias iniciativas, respeitando fundamentalmente as
idéias mestras. Isso não quer dizer que não existam inúmeras maneiras de ser
Freinet (é evidente, já que inúmeros parâmetros influem); é, mais simplesmente,
reconhecer que Freinet, ele mesmo, jamais diz "Faça assim, pois é aquilo
em que creio e que é bom". Não se trata de cair novamente numa
escolástica, que fechará os indivíduos em idéias novas, mas
"definidas" e "definitivas", enquanto seu promotor sempre
enalteceu a evolução e a posição de que elas estão, por essência, abertas à
evolução! Este aspecto de Freinet também me agradou e eu me sentiria mal
acomodado com idéias congeladas. Quem detém a verdade? Quando Freinet
desapareceu, alguns acreditaram que suas idéias estagnariam ou desapareceriam
com ele. A vitalidade da pesquisa no seio do movimento do qual participo prova
totalmente o contrário, e felizmente! Seria aberrante constatar que um
movimento que fala de evolução, que aceita o questionamento contínuo não aceite
para ele mesmo os mesmos princípios!
Sou Freinet, ou não? Isto não vem ao caso! Os rótulos
que alguns. nos propõem (ou se propõem) não querem dizer nada. O que sei é que
vivo em minhas turmas com meus alunos uma existência na qual tento preservar e
promover alguns princípios que Freinet, ele mesmo, definiu: a expressão livre,
o desabrochar de responsabilidades, de personalidades, o tateamento
experimental, portanto, o direito ao erro, a socialização do trabalho, a
responsabilidade. O importante não é somente ter idéias, mas, sobretudo, chegar
a colocá-las em prática, ou melhor, mais humilde de dizer: "conseguir
vivê-las".
Aí ainda tomo uma precaução. O que vivo não é,
de maneira alguma, comparável ao que pode viver um outro de meus colegas na
França e, portanto, "a fortiori", um colega do Brasil. O que vivo e o
que tento não é em função que de mim mesmo e de condições "técnicas"
e "afetivas" que são minhas. (Um estabelecimento pequeno, um diretor
partidário de nossas idéias, uma pequena equipe de colegas, pais que escolheram
esta pedagogia e que, portanto, participam dela, uma sala para mim, material,
etc...). Esta precaução não é, portanto, uma fuga, ela é, ao contrário, a
vontade de dizer àqueles que tentam a aventura (pois não passa de uma, no
sentido nobre do termo!): atenção, nenhum exemplo é válido, se não se torna a
precaução de considerá-lo em função do momento e das condições do terreno, cada
um tendo bastante senso comum para adaptar... Direi, como Roberto Ballalai
(citando Gide): "Natanael, jogue fora meu livro!" Não quero dizer que
o exemplo não seja coisa positiva, eu que usei e abusei de ensinamentos de
todos os meus camaradas do ICEM e que recebi estagiários em minhas turmas...
Entretanto, gostaria (para terminar com estas "precauções") de fazer
uma observação um pouco anedótica: toda vez que, depois de uma conversa, um
encontro, uma troca, introduzo em minhas turmas uma técnica, uma ideia que
algum dos meus camaradas me tenha proposto, sou mal sucedido, enquanto essa
ideia não "pertence" ao meu próprio "tornar-se", ao meu
próprio tateamento e ao de meus alunos. Dito isto, sem modéstia inoportuna,
volto à minha prática.
Ela é, de início, uma vontade visceral de
considerar, antes de mais nada, os alunos como indivíduos inteiros, vivendo com
seus corpos inteiros em um desenvolvimento que lhes assalta todos os dias,
tanto em seu ser físico, como no psicológico (ou melhor, psíquico). De fato,
não quero mais me considerar unicamente um professor de francês encarregado de
"fazer aprender" as finezas da língua a seres que a falam
correntemente, mas, antes de tudo, um animador, que permite a cada um construir
sua própria cultura, ao mesmo tempo em que construirá sua própria
personalidade. O tempo de uma aula é muito curto: é necessário ver mais longe
e, sobretudo, conceber o homem dentro da criança e, portanto, trabalhar para
que ela seja não tal qual eu desejo, mas qual ela deseja ser, a fim de cumprir,
frente à sociedade, seu papel de homem (ou de mulher, bem entendido!)
responsável, com a vontade, ao mesmo tempo, de viver uma verdadeira vida de ser
humano. Isso implica, muito naturalmente, de minha parte, uma atitude que
permitirá esta realização pessoal dos seres, preservando sempre o caráter
social da vida. Tenho, portanto, de estar à escuta de cada um, mas devo também
permitir a todos dizer de si, qualquer que seja sua proposta. Os únicos limites
possíveis às idéias são os que o grupo se impõe, os que são estéreis ou
ofensivos. Mas aí, nenhuma "regra" particular pode ser ditada; tudo é
tão flutuante, tão sensível num grupo!
Mas, se devo ser aquele que vela para que esta
mudança, democrática, tenha lugar, não devo me tornar, para tanto, aquele que,
dando as cartas, será, de uma parte, o único referente e, de outra parte, ainda
o mestre. Não se trataria de uma educação, mas tão simplesmente de um treino de
dinâmica de grupo! Devo fazer esforço para não ficar em evidência (o que é
difícil), para que o grupo viva por ele mesmo, crie suas próprias regras (não
oriundas apenas da minha única vontade), cuidando sempre, e este é meu papel de
"barreira", para que um líder não tome o meu lugar para se impor por
sua vez. Será inútil esperar que um pequeno grupo de crianças, célula
artificial de vida num grupo escolar, adquira este modo de proceder, estas
técnicas de vida, em um dia! Toda esta educação da vida em sociedade requer
tempo e muita paciência, repetições, espera, ajustes, mas chega-se lá!
Esta socialização da vida ao nível do grupo
implica, portanto, a participação efetiva, real, não outorgada, com decisões
que concernem toda a vida do grupo e, portanto, o trabalho. Esta organização do
trabalho aparecerá de maneira mais prática nas linhas que se seguirão.
As idéias de Freinet são princípios de vida
aplicados à educação, como diz muito bem o título de seu livro ‘Ensaio de
Psicologia Sensível aplicado à Educação’. Em primeiro lugar, o que me preocupa
é, primeiramente, a expressão, e a expressão sob todas as formas. (O fato de
ser professor de francês não implica que me restrinja ao ensino do francês, e
que não aceite, portanto, o que é puramente considerado domínio da aprendizagem
da língua francesa, que quer dizer o saber escrever e o saber dizer).
Parece-me que o importante é ter alguma coisa a
dizer, e, mais ainda, poder dizê-Io. E, aí, pouco importam os meios! Nossa
sociedade é castradora no que diz respeito ao dizer e à comunicação e, então,
devemos tentar restabelecer os circuitos para que os seres possam desabrochar e
enriquecer-se autenticamente!
Insisto, portanto, em oferecer a meus alunos,
desde que os pego no início do ano, duas coisas essenciais: um clima de
acolhimento e proposições de técnicas de expressão variadas.
O clima não é coisa difícil de se criar, mas,
sobretudo, uma questão de vontade pessoal, que tende a querer estabelecer uma
atmosfera de troca. Primeiramente, entre eles e eu: eu os escuto e os deixo
dizer de si. Sei que, em relação a outros modos de agir, já é importante que
frequentemente os alunos se surpreendam com este mestre que escuta em vez de
falar, de tal forma que eles não ousam dizer nada por instantes e esperam. Mas,
quando sentem que esta atitude não é uma tática destinada a lhes prender, então
eles falam... muito. Minha sala é sempre um lugar propício (por isso é tão
importante trabalhar na mesma sala); por sua natureza, por sua maneira, ela
suscita logo perguntas, comentários. Proponho, frequentemente, que vejam o que
se encontra na sala que doravante será deles e, no calor das perguntas, a
simpatia nasce. Toma-se conhecimento também de "criações" dos anos
passados, criações escritas, gráficas, visuais. Não proponho, dessa forma,
modelos, mas sugiro pistas, a fim de que cada um sinta que tem possibilidade de
viver uma outra coisa que não o ditado semanal, a redação, a recitação imposta,
uma vez que a escolha do texto "de autor" fica sendo o apanágio do
mestre.
Temos também todo um leque de jogos de
desbloqueamento da expressão, seja ao nível escrito, gráfico ou gestual,
fichários iniciadores, mas, dos quais deve-se saber que são apenas meios
passageiros e não fins, senão, só seriam pequenos brinquedos pedagógicos
suplementares!
Desta forma, cria-se um clima distendido, de
confiança, quase lúdico, onde o prazer tem seu lugar, e no qual cada um sente
que poderá, à sua medida, e em função do que é, viver.
E, ao mesmo tempo, este leque de técnicas
possíveis, para assim dizer, permite uma desdramatização desses momentos de
reingresso, marcados de ansiedade.
Certamente tudo isso seria gratuito se muito
rapidamente não viesse expor esta frágil construção de outras vontades que
pouco a pouco vão nascer naturalmente: criar é bom mas, por quê? Para quem?
Automaticamente os primeiros receptores serão os membros do próprio grupo aos
quais, se for desejável, pode-se, num momento de "trocas", propor o
que foi criado. Isso se fará de início, sem idéia de organização, por uma
observação, uma troca de idéias entre dois a três alunos. Mostram-se as coisas.
Depois, muito rapidamente, porque a curiosidade de uns é importante, já que o
número de criações cresce, e porque também a vontade do locutor está em jogo, a
troca vai precisar de todo o grupo. E serão momentos privilegiados de expressão
e de comunicação.
O leque de técnicas não particulares ao domínio
típico do Francês (quero dizer o escrito e o oral) permite o êxito, e este
êxito é como um melhoramento de terreno; ele vai abrir a porta a outras
tentativas em domínios que não são privilegiados. (Um individuo que recebo não
tem necessariamente por meio privilegiado de expressão a palavra ou a escrita
tais como eu desejo que se os pratique! Eu penso em particular em todas estas
crianças que têm problemas de leitura e de escrita, de ortografia prejudicada e
que, portanto, não ousam nem ler, nem escrever, habituados que estão a ser
sempre sancionados, em situação de fracasso. Será necessário que eles sejam
privados da expressão porque em alguns de seus fracassos eles se autocensuram?
Eu sei que, se um dentre eles consegue fazer um bonito desenho, um desenho
simplesmente, que ele poderá mostrar aos outros e que os outros saberão
acolher, isto será para ele a porta aberta a outras tentativas, entre as quais
a da escrita em particular.
Aqueles que têm problemas de ortografia (É uma
pergunta que me fazem frequentemente, muito frequentemente, como se ela fosse
essencial) e que têm, felizmente, ainda desejo de escrever são acolhidos ao
nível do conteúdo de seus textos. Eu dou importância à ortografia, que é uma
exigência pessoal, mais do que um critério de inteligência! Eu quero apenas
desdramatizar e não perpetuar uma aversão que inculcam em seus alunos
professores muito minuciosos. Esta exigência não deve matar a expressão e é por
isso que, no início, prefiro uma expressão com erros, a nenhuma expressão! É
como se se interditasse a escrita a uma criança enquanto ela não tivesse a boa
maneira de desenhar as letras. Estou muito atento, sobretudo, àqueles que são
desfavorecidos nesse domínio e sei que, quando um texto que acolho apesar de
seu estado "gramatical" pode ser proposto, reconhecido, abro para a
criança em questão caminhos de felicidade. A exigência virá pouco a pouco e
nossos numerosos fichários auto-corretivos estão lá para ajudar no tateamento.
Eles serão usados quando a necessidade se fizer sentir, já que toda técnica
toma sentido quando participa de uma necessidade fundamental de expressão.
A abertura para a turma, dentro da confiança,
com tudo que ela supõe ao nível da escrita, de sua organização, ao nível da
recepção e do resultado, é já um fato importante, pois "dizer-se"
frente aos outros não é do domínio do exibicionismo; é uma atitude mais
profunda que, finalmente, conduz a uma solicitação de reconhecimento pelos
outros, como pessoa, e, no nível de um indivíduo, isto é muito importante.
Certamente isso supõe uma organização no tempo e
no espaço, no seu desenrolar, e cada grupo sabe rapidamente encontrar todos os
meios de tornar positivos esses momentos tão privilegiados, porque eles são
fontes de alegrias, de prazer, de idéias, de conhecimento, de encontros.
Mas logo a turma tem necessidade de um outro
eco. Vai, portanto, abrir-se aos outros (ao exterior do contexto escolar local)
por dois outros meios: o jornal e a correspondência. Eles não são comparáveis
tecnicamente, mas partem da mesma necessidade de ser conhecido, reconhecido,
escutado, desejo incompletamente satisfeito se o eco e o retorno não existem; e
é dessa forma que a correspondência poderá desempenhar um papel diferente.
O jornal não nasce de maneira espontânea
(algumas turmas, alguns anos, não chegaram a imprimir "um jornal").
Numa turma "Freinet" escreve-se, imprime-se, desenha-se, mas tudo
isso não é nem gratuito, nem interesseiro. (Eu deveria tomar, mais uma vez, a
precaução de dizer, para ser menos confuso: "exprime-se, e para se
exprimir é necessário adquirir técnica e saberes, todas estas técnicas estando
a serviço de uma expressão que é, ela mesma, motor do desabrochar do indivíduo,
portanto criadora de um novo impulso... etc...") E nós estamos longe do
behaviorismo.
Todas essas produções escritas, logo que tenham
conseguido o eco da turma, podem ser reagrupadas em cadernos, em jornais, que
vão levar a vida do grupo para fora, mostrar, em particular aos pais, o que se
faz ali, como se vive ali. Para tanto vai se fazer necessária uma organização
do trabalho. Mas o jornal não será uma coleção de textos, de ilustrações, ele
será também uma criação do grupo; e essa dimensão coletiva tem sua importância!
Esta abertura não é sempre suficiente e é aí que
intervém a noção de correspondência: "se se tivesse alguém de um outro
lugar com quem fazer permuta! Seria tão legal!" Em geral, em função das
turmas que sei que vou ter no ano seguinte, eu me arranjo com colegas que
conheço e de quem eu gosto para prever uma antena possível. Mas, se não, a
turma lança apelos, que dirijo a pessoas que conheço ou à organização de
correspondência do ICEM. Às vezes também recebemos este gênero de pedido. Isso
frequentemente é muito bom, mas, frequentemente também, aumenta o número de
nossos correspondentes habituais ou estabelecidos e, então, somos obrigados a
recusar... o que muito nos embaraça... A correspondência pode ser feita sob
múltiplas formas, não há regras que sejam melhores. Trata-se ainda aí de
adaptar o meio à necessidade e de ser exigente. Sempre me dei como regra
responder ao que recebo; é um mínimo de cortesia (sobretudo quando se considera
que toda a correspondência neste nível é um apelo ao qual se deve responder). A
correspondência é sentida como uma abertura para outra vivência que não a do
grupo, e ela tem, a nível afetivo, um papel muito importante a desempenhar. Com
efeito, escrever a alguém que não se conhece no início é uma tarefa delicada.
Mas, se nesta tentativa há uma verdadeira vontade de abertura ao outro e de
conhecimento, as barreiras da timidez são rapidamente vencidas.
Eu não resisto ao prazer de copiar aqui um
pequeno texto de uma de minhas alunas de 5ª série, depois da viagem de permuta:
"Amizade”
Ela me conhecia sem me ter visto.
Ela me amava sem me conhecer.
Eu a conhecia sem a ter visto,
Eu a amava sem a conhecer.
E ontem, eu a vi e gostei dela
ainda mais, era minha correspondente...
Géraldine
Nem sempre aquilatamos bem, nós, os adultos,
qual a importância de tais trocas; esse pequeno poema é uma prova dessa
importância. E, entretanto, não se escreve nada, não importa o quê! Mesmo se se
fala da chuva ou do bom tempo, mesmo se se dão essas informações um pouco
banais, há nas cartas uma outra dimensão, que aparece rapidamente. É o que eu
chamaria de troca, troca ao nível de idéias, pelos textos que se enviam, os
álbuns, as pesquisas, mas também, e sobretudo, troca ao nível dos seres, por
tudo o que se descobre e que se confia de pessoal, quando se assume de verdade
essa correspondência (É claro que os fracassos existem e são inevitáveis.
Entretanto, mesmo no caso de uma correspondência que não "pega" no
nível afetivo, há um nível de troca suficiente para dar a cada um a ideia de
que ele existe em relação com outro. Algumas correspondências não dão em nada,
por múltiplas razões, mas, sem dúvida alguma, lhes faltam organização e
continuidade! Tenho, de minha parte, vivido alguns fracassos dos quais tenho
tentado tirar algum ensinamento, sem querer, a todo custo, manter uma relação
que eu sinta poder tornar-se muito artificial. Mas, frequentemente, a exigência
dos correspondentes nos tem ajudado, obrigando-nos a nos ultrapassar um pouco,
forçando-nos a realizar nossas remessas mais belas, mais organizadas, mais
densas, mais ricas, melhor apresentadas, melhor escritas. É, com efeito, um
pouco severo, mas sempre muito salutar, receber dos correspondentes observações
do gênero: "Sua remessa não é muito boa, os textos contêm bastante erros,
o trabalho de fulano está mal acabado, vocês não responderam a... etc...".
Mas, é evidente que é preciso se esforçar por tomar todas essas críticas
positivas, de uma maneira que não fira, mas que incite, ao contrário, ao
crescimento das relações. Às vezes as trocas de cartas, de pequenas encomendas
contendo gentilezas, conduzem a um encontro entre os grupos, quando as
condições técnicas não são muito difíceis. A distância, por exemplo, traz
sérias desvantagens. Meus alunos da 5a série que se correspondem
atualmente com um colégio no Rio de Janeiro adorariam encontrar seus
correspondentes mas, eles sabem que isto não será possível. Estes encontros que
se preparam com cuidado (todo o grupo trabalha), tanto ao nível dos meios
quanto ao nível do conteúdo, sempre tiveram para mim interesse considerável:
pôr em contato dois grupos de crianças que muitas vezes não se conhecem a não
ser em fotografia, que são oriundas de meios diferentes é muito rico. É
importante, com efeito, penetrar em meios diferentes, atirar-se a outras
realidades.
Ao nível afetivo, é também importante e muitas
coisas se passam por fora de nós (é totalmente normal); mas sabemos que tudo
terá um eco na criança. Estabelecer esta verdadeira comunicação traz prazeres
ricos, pois não se trata somente de se encontrar, mas de, em seguida, durante
estes momentos, trabalhar juntos, de mostrar o que se preparou, construiu,
aquilo de que já se falou nas cartas, e comparar as organizações, as maneiras
de fazer, as atitudes, trocar. (Lembro-me de observações amargas, espantadas,
de meus alunos, em visita a um CES da região parisiense, quando foram repreendidos
de "viva " voz pelo diretor, que os censurava por estarem onde não
deveriam estar. Aquele lugar lhes era proibido, portanto,... Em nosso colégio,
malgrado as regras de vida, não temos essas proibições, donde a surpresa para
meus alunos, que não compreendiam nem o porquê da coisa, nem a maneira pela
qual as coisas haviam sido ditas. Com efeito, ao fim de algum tempo, o hábito
da responsabilidade dá a nossos alunos urna atitude correspondente que se deve
saber aceitar e reconhecer). De qualquer modo, o recebimento de uma encomenda
em classe é sempre um momento de alegria intensa, e devemos estar atentos para
que cada um tenha a sua carta, mesmo, naturalmente, o professor. (Esta
correspondência entre adultos de uma mesma turma de crianças que se correspondem
é importante, porque ela é, de início, necessária às adaptações, à determinação
de problemas, e também porque ela ajuda à não desligar o professor do grupo.
Ele "participa " também da correspondência, como de todas as outras
atividades.)
É preciso, agora, ainda que eu não haja esgotado
todas as facetas da prática pedagógica, abordar todos os problemas advindos de
tudo o que acabo de dizer, uns após outros, como, aliás, os abordei em meu
próprio tateamento. Porque insisto e creio que é essencial: nós propomos a
nossos alunos um processo de aprendizagem que se apóia na teoria do tateamento
experimental, que Freinet definiu no Ensino de urna Psicologia Sensível; mas é
essencial que o mestre possa beneficiar-se deste tateamento para criar o seu
próprio ambiente pedagógico (essa é a razão de nossos estágios, de nossos
grupos de trabalho nos departamentos (municípios), essa é a razão de nossa
organização agrupada sob a sigla ICEM).
As proposições que abordarei agora são de duas
ordens:
- num primeiro tempo, as implicações
tecnológicas necessárias à aplicação desta Pedagogia;
- num segundo tempo, as implicações humanas,
sociais e políticas.
E, bem entendido, continuo a falar de meu
próprio tateamento, de minha própria vivência.
A execução desta Pedagogia do Êxito, permitindo as
aprendizagens pelo tateamento experimental (não se trata apenas de
conhecimentos exigidos pelo programa oficial, porém, mais amplamente, de tudo o
que diz respeito à vida social e coletiva), permitindo a comunicação,
permitindo uma socialização do trabalho, ao que achamos uma verdadeira educação
do trabalho, tudo isso, requer uma organização
bastante escalonada, complexa é verdade, mas que se constrói pouco a pouco, à
medida que o grupo (o mestre também) aperfeiçoa sua própria transformação,
procurando novas vias de expressão. Há, portanto, a organização da vida da
turma, a princípio em seu ritmo e, em seguida, a nível material e espacial.
Relato aqui minha própria tentativa e minhas condições atuais, o que significa,
repito-me, que cada um tem, em função do que vive, que construir para si sua
própria tentativa no ritmo de suas necessidades e também de seus meios.
Creio que se deva ser bastante prudente e tomar
consciência de que tudo é uma questão de tempo. Lançar numa turma uma
estrutura, uma atividade que não é sentida como necessidade leva frequentemente
ao fracasso. Tenho feito muitas vezes a experiência. E não me cansarei de dizer
às pessoas que vêm me ver ou que encontro nos estágios que sejam prudentes, que
sigam seu próprio ritmo, que não tenham em mente a vontade de reproduzir um
modelo, que considerem que aquilo que observam é um momento do meu caminho e do
caminho dos meus pequenos, que se deve, portanto, situar a coisa desta maneira,
e não fazer delas um ponto de partida.
Portanto, comecei, pouco a pouco, a construir a
organização do trabalho que, de maneira normal, naturalmente (convém insistir
neste termo), provém desta vontade de expressão e de comunicação. De início,
organizar o tempo de trabalho e prever as atividades: é o plano de trabalho que
a gente concebe como a gente sente e, sobretudo, tendo em vista fazer deste
plano um verdadeiro instrumento. Há também toda uma organização individual que
se esgalha sobre esta organização coletiva, que é "construída" em
comum durante a reunião da cooperativa, momento privilegiado onde se debatem
todos os problemas da vida do grupo, incluindo necessariamente os problemas de
trabalho. O plano de trabalho é um instrumento de organização que deve ser
eficaz, prático e que deve corresponder verdadeiramente a um compromisso de
trabalho. (Neste plano de trabalho permite-se a todos encontrar aquilo de que
têm necessidade em função de seu trabalho pessoal e em função de seus contatos
com o grupo. Haverá, portanto, momentos de trabalho individual e momentos de
trabalho coletivo: em função das necessidades que venham a nascer. Este plano não
é imitável e não será fixado de uma vez por todas).
Convém insistir nesta socialização
da organização do trabalho para "enxergar" um pouco mais na
frente do momento escolar, e dar, desde já, às crianças, o senso da responsabilidade
e o senso da iniciativa, de que terão tanta necessidade em sua vida de homens.
Trata-se, para nós, de adquirir técnicas de vida que conduzirão o indivíduo ao
mais completo poder de todo seu potencial de vida.
Esta organização do trabalho não é somente,
portanto, funcional: ela é profundamente vital. A organização não é, tampouco,
somente coletiva; ela é também individual, no sentido em que me esforço por
levar meus alunos a uma repartição correta de seu esforço, para evitar
justamente os erros e as tensões. Eles mesmos planejam o que têm de fazer para
que possam fazer tudo nas melhores condições e, tudo trabalhando assim, viver
verdadeiramente. Devo dizer também que dou muita importância à noção de prazer no trabalho, prazer que não significa
facilidade mas esforço, mesmo quando ele é querido e dosado com realismo. Esta
educação do trabalho é, ao mesmo tempo, educação da personalidade.
Toda esta pedagogia supõe (ainda que se
individualizem, o mais possível, o trabalho, a pesquisa, portanto, o
tateamento) esforços particulares no que diz respeito, inicialmente, ao
material (a que chamamos nossos instrumentos) e, em seguida, ao espaço e ao
lugar de trabalho.
Os instrumentos de aprendizagem devem, portanto,
poder permitir que cada um trabalhe em seu ritmo, que se auto-corrija, e que
também se auto-avalie. É o papel de todos os nossos fichários auto-corretivos,
que em minha classe estão à disposição constante e imediata dos alunos, seja
como resposta imediata, seja como aprofundamento. Estes instrumentos estão
adaptados a nossos alunos, pois têm a imensa vantagem de serem elaborados por
nós com eles durante muitas aulas, dirigindo-se, pois, a seu nível de pesquisa
e respeitando suas preocupações. São criados por nós e realizados pela Cooperativa de Ensino Leigo, fundada por
Freinet, Cooperativa gerida por todo nosso grupo: é a CEL, sem a qual não
saberíamos viver e que temos a todo custo que defender dos ataques dos grandes
editores.
Procuro também propor a mais ampla documentação
possível, entre a qual encontram-se as publicações da CEL que têm o nome de BT
(biblioteca de trabalho), BT2, etc... Elas podem, naturalmente, ser usadas à
vontade, respeitando-se as regras elementares do saber viver, que se aplicam ao
uso do bem comum. Aliás, surpreendo-me frequentemente ao constatar o respeito
que os alunos têm por todo este material, que todo o mundo consulta sem parar.
Certamente é preciso, de tempo em tempo, soltar um grito de alarme para
manifestar inquietação diante da desordem de um fichário. O que é bom é que não
sou o único a fazê-lo, e isso se acerta durante a reunião da Cooperativa!
Esta forma de trabalho, que tende à
individualização das aprendizagens, pelo respeito essencial, a meu ver, ao
ritmo de cada um, implica, por ela própria, tanto numa ajuda mútua dos alunos
entre si como numa parte constante do mestre.
Minha disponibilidade deve ser plena e inteira
durante os momentos de aula e, frequentemente, além dela. (Se bem que se tem
que respeitar também um certo saber viver, que reconhece que eu tenho
necessidade de momentos de descanso do trabalho, digamos, de calma, e isso se
faz rapidamente, à medida em que as relações são amigáveis). Minha parte
situa-se em dois níveis dificilmente "separáveis": uma parte afetiva e
uma parte técnica. Meu papel (tal como concebo e
que me esforço por desempenhar) é o de incitar, de seguir, de acolher, de
reter, às vezes, tudo isso com uma dosagem tão particular que ninguém pode
imaginar uma regra, já que as coisas se fazem em função das condições da
vivência do momento e dos indivíduos. É certo que não abordo todos os
alunos da mesma maneira, mas isto é tão simples de compreender que não me
estenderei a respeito. Apenas dou muito valor à
escuta, ao acolhimento; é, creio eu, disto que as crianças, os adolescentes, e
sei que também os adultos, têm mais necessidade. Eles têm essencialmente
necessidade de serem reconhecidos e é isto que lhes devemos antes de tudo, se
desejamos ter conosco seres verdadeiros, que irão tão longe quanto puderem em
sua busca de si mesmos e em sua investigação do meio no qual evoluem, para
conhecê-lo, compreendê-lo, dominá-lo e construir uma existência de dignidade e
de riqueza pessoal, e, quando menos, de vida verdadeira, de alegria.
Vale dizer que me bato frequentemente contra os
egoísmos que nossa sociedade sabe formar tão bem, todos esses opressores
latentes que, desde que saiam de sua condição de oprimidos, tornando-se garantidos,
são automaticamente levados a desempenhar o papel que combatiam antes. Esta divisão
não é tão afirmativa quanto acabo de escrever, mas a tentação do egoísmo é
grande. Mas, trata-se de educar, e quando falo de combate é simplesmente porque
ponho nisso a paixão, mas jamais o ódio. A turma, com o passar dos dias,
adquire coesão, tanto ao nível de sua organização, como ao nível das relações
afetivas, o que conduz a uma certa harmonia.
Isto, naturalmente, não exclui os conflitos, as
tensões, mas, quando esses momentos nascem (o que parece normal na vida de um
grupo), são em geral assumidos por todo o grupo e nós os enfrentamos, assim
como enfrentamos outros problemas. E seria erro, penso eu, dizer que tudo se
passa em uma reforma, pois nós nos esforçamos o mais possível para nos abrirmos
para o exterior, a fim de compararmos nossas idéias e encontrarmos novas idéias
junto a outros, a fim de aperfeiçoarmos as nossas.
Quando, por exemplo, debates apaixonados nascem
a propósito de um texto livre lido em urna permuta, não nos contentamos em
debatê-lo entre nós. Vamos logo, ao nível de nossa documentação de classe,
procurar o que outros autores disseram ou propuseram àquele respeito. Depois
procuramos outras referências, em outros autores, por outras fontes, donde a
correspondência. O que faz com que tudo o que se passa de importante no grupo, mesmo
se é um problema do grupo, tenha sua abertura para o exterior. A meu ver, o
hábito de abertura do espírito, de pesquisa e de estabelecimento de um espírito
crítico é que pode, pouco a pouco, pôr termo às idéias prontas, aos
preconceitos etc...
Dizer que isto é fácil e se realiza em um dia é,
sem dúvida, mentir. Mas quero dizer que essa vontade de acolhimento que tenho
incita aqueles com quem vivo a tê-la também, tanto frente aos seres tais quais
eles são, como frente às suas idéias.
Creio que isto é, ainda em nossa época, uma
coisa natural!
É necessária, portanto, para que tudo isso viva
e funcione (estes dois termos são importantes, pois se nos mantivermos no
funcional passaremos por cima do essencial), uma organização espacial do lugar
de vida. Tenho a sorte, até agora, de poder dispor do meu local, onde os
'alunos vêm trabalhar, o que faz com que se torne local de trabalho deles
também. E essa sala de aula se organiza bem naturalmente (o que não quer dizer
bem facilmente!), para que possamos viver e trabalhar, o que subentende que sua
arquitetura interior não é jamais definitiva; que ela se transforma, que ela
evolui em função das necessidades. E isso é formidável. Numa sala comum
encontram-se em geral quatro cantos e o eixo da sala é inevitavelmente dirigido
para o mestre e para o quadro. Na minha (e nas de muitos de meus colegas que
conseguiram essa conquista essencial), há apenas cantos e nenhum está ali por
acaso. É necessário conceber que múltiplas
atividades podem se desenrolar durante o mesmo momento de aula e, sobretudo,
simultaneamente: o trabalho pessoal de explicação, uma montagem de
diapositivos para ilustrar um texto, a ilustração de uma página do jornal, a
composição de um texto na "impressora", a tiragem do jornal, a
oficina de correspondência, uma preparação de exposição, de leitura, de
pesquisa, de documentação, etc... É bem difícil fazer uma lista exaustiva. O
que é importante é poder realizar tudo isso no momento em que é necessário e, portanto, a sala de aula é arrumada em
função de todas essas necessidades possíveis e evolui em função delas. É
evidente que tudo o que se torna inútil ou ineficaz muda rapidamente, e não
temos lugares suficientes para nos permitir desperdiçar espaço.
Mas quero também que este lugar seja um lugar de
vida e que seja, portanto, nossa tarefa, de todos; e que as crianças assumam
sua organização e sua manutenção; que eles pensem no trabalho das mulheres que
fazem a limpeza toda noite. Ainda aqui, é uma questão de exigência e sei que se
consegue e, apesar de todo o material amontoado em nossas salas, é
característico constatar que não temos que temer o vandalismo que se encontra
tão frequentemente em outros lugares.
Isto não exclui os erros, certamente, mas aí
ainda eles são assumidos pelo grupo e nós os remediamos juntos. O direito ao
erro parece-me ser um direito fundamental no processo educativo que escolhi.
Mas não é sempre fácil fazer compreender a alguns colegas que sanção não é mais
que satisfação superficial, que ela não resolve a crise, apenas a guarda ou a
recolhe. No contato social de nossos alunos no seio do estabelecimento temos,
às vezes, que regular os conflitos para os quais a solução não tem jamais o
mesmo sabor, sobretudo quando se trata de pessoas que não pensam em repressão.
Todas essas organizações são absolutamente
vitais, mas aí ainda é necessário insistir no processo de tateamento. Não se
faz tudo em um dia apenas e, sobretudo, toda a organização supõe uma
necessidade. Disse-o mais acima, tenho constantemente observado, que uma forma
de organização vista em algum outro lugar e introduzida em minha sala não dá de
uma só vez o resultado que se espera; normalmente fracassa. Cada classe tem
sua própria vida, suas próprias exigências, tudo o que é instalado, organizado,
depende das necessidades que nascem. Certamente meu papel é o de suscitar o
mais possível, de ajudar. Mas agora evito agir sozinho de maneira autoritária;
sugiro, quando sinto que uma situação está madura, a fim de que a reflexão do
grupo passe pelo caminho necessário à realização. !1, para mim, estou
constatando agora, uma garantia de êxito e de eficácia. Tento, com efeito,
não me sentir, apesar de minha posição de adulto que reivindico inteira- mente,
como aquele que deve decidir. E é uma atitude que não é sem- pre fácil de ter,
sobretudo nos momentos de crise!
Isso me leva a abordar o lado social e
"político" (no sentido lato do termo) de nossa ação com a turma.
No início, uma turma é um ajustamento artificial
de indivíduos, num lugar artificial, durante períodos de vida bem definidos
pelos horários (tal é a situação, certamente, com a qual é necessário viver,
sem- pre procurando fazê-la evoluir). 1, necessário conseguir estabelecer nesse grupo, que não é, no início, mais que uma reunião de individualidades, uma
vida, uma coesão, que tende a uma harmonia, não pela arte ou pelo prazer, mas
porque ela vai permitir , creio eu, a cada um desabrochar ao máximo, sempre conservando sua própria natureza. Pois não se trata de chegar a
elementos neutros e obedientes, normalizados, mas a seres inteiros, vivendo
suas contradições, seus esforços, suas alegrias, seus entusiasmos, suas
penas, em plena possessão de si mesmos.
As dificuldades que a vida impõe devem
ser construtivas para o indivíduo. É assim que me esforço para viver e isso não
é sem- pre claro. Há, a meu ver, educação do trabalho, educação da personalidade, conservando o caráter social desta educação, pelo contato necessário
com o outro, tanto pelas obrigações que se têm para com esse outro..., como
pelos serviços que se pode esperar. Educação da responsabilidade também através
de todo esse engajamento que exigimos das pessoas, tanto em relação a eles
mesmos quanto em relação ao grupo ao qual eles pertencem, e que exigirá deles,
a este nível, um real esforço. Estou inteiramente convencido e consciente do
esforço que exigimos de nossos alunos. Mas persuado-me também do fato de que,
em um contexto de servilidade, a exigência vem do exterior e é sofrida,
enquanto que em nosso sistema de trabalho ela acaba por vir do próprio
indivíduo.
A tentativa é bem mais difícil e requer muito
tempo, muita paciência, muita boa vontade, e indulgência às vezes, mas ela tem,
a meus olhos, um outro valor!
Esta educação da responsabilidade ao longo dos
anos escolares não é senão uma abordagem do que desejo para meus alunos, quando
eles tiverem que desempenhar seu papel de adulto. Quero trabalhar para o homem,
a mulher, que serão na sociedade. e isto o que me importa. Aliás, alguns de
nossos alunos, quando voltam para nos ver (às vezes muito tempo depois), falam
de seu engajamento ou político ou sindi- cal. Eles adquiriram técnicas de vida
que ultrapassam o âmbito da es- cola; e que utilizam em sua vida de adultos.
Quando sei disto, sinto prazer.
Viver em comum supõe o respeito, o acolhimento
ao outro, a aceitação das diferenças, o reconhecimento do direito à diferença,
que é tolerância amor. É para esse lado que tende a minha ação e tudo isso é
um trabalho de longo alento, mas creio nele. A esta "construção" de
um homem responsável e autônomo creio que chegaremos, justamente pelos modos de
vida de nossas classes. E creio que a sociedade se beneficia com estes seres,
que nos deixam seguros, pois são ricos de idéias, de reações, de proposições,
de acolhimento, de escuta, seres prontos a viver intensamente, a agir sobre
suas condições de vida e sobre as condições gerais de vida, num esforço de
verdadeiro altruísmo. Mas não são seres fáceis, maleáveis, que aceitam sem
dificuldade. E deve-se saber aceitar seu senso crítico, sua arte de questionar.
Eles podem incomodar.
Chego ao fim desta carta e sei que não disse
tudo sobre meu caminho, sobre meu tateamento, de tal forma tudo é tão
complexo, tão rico. Mas o que sei é que minha própria busca não pode ser um
mode- lo. E acredito que está longe de estar terminada e que, se eu puder um
pouco levar alguma coisa a alguém, descubro, eu também, nesse encontro,
muitos enriquecimentos pessoais. É o que me agrada no espírito do que Freinet
escreveu. É que nada é estático e parado, nem institucionalizado, como em
outras práticas pedagógicas. Tudo está sempre em devolução, como a vida; e nós
estamos a serviço da vida.
Caen, maio de 1981
Michel Vibert.
CENTRO EDUCACIONAL DE NITERÓI / SERVIÇO CULTURAL
DO CONSULADO DA FRANÇA NO RIO DE JANEIRO / FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO - FUBRAE - , Série Cooperação Técnica n°3 –
1981.
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