"A educação pelo trabalho é mais do que uma educação comum pelo trabalho manual, mais do que uma pré-aprendizagem prematura; baseada na tradição, mas prudentemente impregnada pela ciência e pela mecânica contemporâneas, ela é o ponto de partida de uma cultura cujo centro será o trabalho."

Célestin Freinet

(A Educação do Trabalho, Ed. Martins Fontes, 1998, pg. 315)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

OS CAMINHOS DA VERDADE


    Como eram deliciosos os fins de março da nossa infância, quando os amentilhos floriam nos ramos vermelhos dos vimeiros e as primaveras e violetas nasciam na terra úmida que a neve mal havia abandonado!
    E o barulho que fazíamos, nós, as nossas ovelhas e os nossos cachorros, quando levávamos, para saltar pelos prados novos, nossos animais embriagados de sol e de liberdade!
    Um bom pastor, pensávamos nós, avalia-se pela nitidez dos seus gritos, pelos latidos dos cães e pela decisão com que impõe uma ordem e uma disciplina de que ele é o grande ordenador. É verdade que sentíamos um prazer malicioso em fazer sentir essa autoridade; era uma espécie de inveja inconsciente que nos levava a contrariar o apetite natural dos nossos cordeiros... Ah! então você queria comer brotos macios... toma uma chibatada, para você aprender a se emancipar!
    No entanto, eu fazia uma exceção para a minha querida Negrinha, com os seus dois cabritinhos de brincos, de que eu gostava tanto e que me pagavam na mesma moeda. A eles, eu não tinha de comandar; seguiam-me ou dançavam a sua alegria de viver, numa farândola deliciosa. E se o cachorro tocasse neles, com que emoção eu os defenderia! Com que atenção baixava para eles os talos frágeis que eles mordiscavam, e colhia, nas moitas, os brotos macios que eles vinham comer da minha mão!
    Ficava orgulhoso quando eles se saciavam e me gabava de nunca ter levantado a voz, pois ficavam sempre atentos aos meus gestos e aos meus cuidados.
    Duas atitudes! Duas pedagogias!
    Mas a Escola ri-se da humilde experiência dos pastores! Ela tem os seus imponentes e seculares caminhos, que escritores, sábios, administradores eminentes disseram ser caminhos da verdade: Nada de fraqueza afetiva! Manter a lei! Habituar os alunos a obedecer, mesmo, e sobretudo, quando a ordem dada contrariar suas tendências e desejos. É assim que se formam - se for preciso com as chibatadas e os cães - as personalidades fortes e as almas bem temperadas.
    E se fossem caminhos de ilusão e de erro? Se qualquer velho pastor nos provasse, com a sua experiência decisiva, que nos estamos esgotando em vão numa luta desigual contra a natureza e a vida; se nos persuadíssemos, algum dia, da vaidade orgulhosa desta autoridade formal - material, intelectual e moral -, que o manejo hábil e impiedoso do chicote nos dá! Se reaprendêssemos a acariciar, amar e servir as crianças de caracóis loiros, a segurá-las pela mão nas passagens difíceis, a baixar para elas os galhos que não conseguem alcançar; a nos alegrar ao vê-las satisfeitas, ao fim do dia, com um alimento livremente colhido nas fontes generosas que teríamos feito brotar; se soubéssemos responder aos inquietos apelos dos alunos em dificuldade e nos acalmar com o espetáculo dos saltos de satisfação de seres que sobem até os cumes da cultura, por caminhos que não são forçosamente calvários, mas que são sempre caminhos de vida!
    Se soubéssemos ajudar as nossas ciranças a tornar-se homens!
C. Freinet, Pedagogia do Bom Senso, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1996, pg. 04.