"A educação pelo trabalho é mais do que uma educação comum pelo trabalho manual, mais do que uma pré-aprendizagem prematura; baseada na tradição, mas prudentemente impregnada pela ciência e pela mecânica contemporâneas, ela é o ponto de partida de uma cultura cujo centro será o trabalho."

Célestin Freinet

(A Educação do Trabalho, Ed. Martins Fontes, 1998, pg. 315)

terça-feira, 24 de junho de 2014

RIDEF Itália

No período de 21 a 30 de julho deste ano, acontece na cidade de Reggio Emilia na Itália, a XXX Ridef - Reencontro Internacional de Educadores Freinet.

Vários participantes da nossa Rede Freinet irão participar do encontro que apresenta uma programação que favorece principalmente a troca e a cooperação entre os participantes, professores na grande maioria, de diversas partes do mundo.

Para maiores informações, acesse o site do evento:
www.ridefitalia.org

A VIDA SEMPRE SOBE!

     Começava o dia; as ovelhas haviam deixado o campo onde passaram a noite, e eu saía, com o alforje ao ombro, atrás do pastor plácido e sereno.
    Caminhava por trilhas cujo segredo só ele conhecia. Nenhum animal à nossa volta - apenas um longínquo sussurro e o tilintar dos chocalhos localizando o rebanho em movimento, entre as estradas e os pinheiros.
    Estava inquieto por não ver os meus animais: iríamos encontrá-los antes de transpormos as barreiras, ou teríamos de voltar atrás, para procurá-los durante todo um dia?
    Foi o velho pastor que me explicou a razão da sua serenidade:
    - Garoto, de manhã, os animais sempre sobem. Vão para os cumes. Não é que o pasto lá seja sempre mais abundante ou mais fácil; mas é um instinto do ser lançar os braços para o azul do céu e partir ao assalto dos cumes. O capim, conquistado à força de músculos e tenacidade, tem um valor exaltante, talvez só por ter sido muito desejado...
    - Pode ficar tranquilo: vamos encontrá-los todos lá em cima!
    E acrescentou: - Só me preocupa o pequeno bando de Léon, domesticado demais, habituado demais a comer nos pastos e na manjedoura, e que tem como que a nostalgia das barreiras e do estábulo. Parece que já não têm força para subir; o ideal deles já não é lá em cima, mas embaixo... Preferem a rédea ao azul do céu... lá não são ovelhas dignas e orgulhosas: são cães!
    Ouça os chocalhos, lá em cima, diante de nós! Só à noitinha, quando o sol se extinguir por trás do Rocheroux, os nossos animais também vão descer para a calma e a segurança do vale, para amanhã voltarem a subir mais alto ainda.
    E as crianças - diria o pastor - são como as ovelhas: querem subir sempre. Você só terá paz e certeza se souber ajudá-las, às vezes precedê-las na subida aos cumes, ou segui-las... Infelizmente dos seres domesticados cedo demais que perderam o sentido da subida e que, como velhos em fim de corrida, preferem, ao ar do espaço e ao azul do céu, a coleira da sujeição e a ração da renúncia!
    São bons todos os caminhos que levam para as alturas.
    
C. Freinet, Pedagogia do Bom Senso, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1996, pg. 12. 

segunda-feira, 17 de março de 2014

MINICURSO SOBRE A PEDAGOGIA FREINET

A Escola Curumim - Campinas, SP, oferece no dia 12 de abril, um Minicurso sobre a Pedagogia Freinet.

Acesse a página da escola para obter mais informações:
http://www.escolacurumim.com.br

As águias não sobem pela escada

    O pedagogo preparara minuciosamente os seus métodos e, segundo dizia, estabelecera cientificamente a escada que permite o acesso aos diversos andares do conhecimento; medira experimentalmente a altura dos degraus, para adaptá-la às possibilidades normais das pernas das crianças; arranjara, aqui e ali, um patamar cômodo para se retomar o fôlego, e um corrimão benévolo amparava os principiantes.
    E o pedagogo zangava-se, não com a escada, que, evidentemente, fora concebida e construída com ciência, mas com as crianças que pareciam insensíveis à solicitude dele.
    Zangava-se porque tudo acontecia normalmente quando ele estava presente, vigiando a subida metódica da escada. degrau por degrau, tomando fôlego nos patamares e segurando no corrimão. Mas, se ele se ausentava uns momentos, que desastre e que desordem! Apenas continuavam a subir metodicamente, degrau por degrau, segurando no corrimão e tomando fôlego nos patamares, os indivíduos que a escola marcara suficientemente com a sua autoridade, como os cães de pastor que a vida treinou para seguir passivamente o dono e que resignaram a não mais obedecer ao seu rítmo de cães transpondo matas e atalhos.
    O bando de crianças retomava os seus instintos e as suas necessidades: uma subia a escada de quatro, engenhosamente; outra tomava impulso e subia os degraus de dois em dois, saltando os patamares; havia mesmo as que tentavam subir de costas, adquirindo até algum desembaraço. Mas sobretudo - incrível paradoxo - havia aquelas, e eram maioria, para quem a escada se mostrava desprovida de atração e aventuras, e que, contornando a casa, segurando-se nas calhas, saltando as balaustradas, chegavam em cima num tempo mínimo, muito melhor e mais depressa do que pela escada pseudometódica; uma vez lá em cima, escorregavam pelo corrimão... para recomeçarem a ascensão apaixonadamente.
    O pedagogo persegue os indivíduos obstinados em não subir pelos caminhos que considera normais. Mas terá ele perguntado a si mesmo, por acaso, se essa ciência da escada não seria uma falsa ciência e se não haveria caminhos mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por saltos e largas passadas? Senão haveria, segundo a imagem de Victro Hugo, uma pedagogia das águias que não sobem pela escada?

C. Freinet, Pedagogia do Bom Senso, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1996, pg. 08.