"A educação pelo trabalho é mais do que uma educação comum pelo trabalho manual, mais do que uma pré-aprendizagem prematura; baseada na tradição, mas prudentemente impregnada pela ciência e pela mecânica contemporâneas, ela é o ponto de partida de uma cultura cujo centro será o trabalho."

Célestin Freinet

(A Educação do Trabalho, Ed. Martins Fontes, 1998, pg. 315)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Por que adaptar a escola a uma nova realidade?

               Estou relendo a obra Para uma Escola do Povo, escrita por Celestin Freinet em 1943, e à qual o autor deu o subtítulo de Guia prático para a organização material, técnica e pedagógica da Escola Popular.
               Em momentos anteriores, já havia me despertado bastante interesse o fato de que Freinet, mais uma vez, demonstrou nesta obra que não é possível construir uma outra realidade escolar, em contraponto a           

“Essa escola [que] já não prepara para a vida, não está voltada nem para o futuro, nem mesmo para o presente; ela insiste num passado caduco, como aquelas velhinhas que, por terem alcançado um sucesso merecido na juventude, não querem mudar em nada seu gênero de vida, nem a moda que tão certo dera, e amaldiçoam a evolução, a seu redor, de um mundo condenado.” (p.3)          
... sem antes refletirmos de forma verdadeira, honesta sobre o que queremos com a educação, qual o papel que delegamos à escola, qual o meu lugar de educador.
               Celestin Freinet abre a primeira parte do livro discorrendo sobre os Princípios Gerais da Adaptação ao Meio. Esses princípios norteiam a adaptação que se deseja na escola, quando em concordância com a pedagogia proposta por este educador francês. O primeiro aspecto abordado é o Objetivo da Educação.
O autor destaca que para readaptar a escola e aproximá-la das necessidades individuais, sociais, intelectuais, técnicas e morais da vida em nossa sociedade, no tempo histórico presente é urgente que façamos uma reflexão sobre o que desejamos obter para nossos filhos (sic): devemos revisitar o tempo todo e reconsiderar o objetivo da educação, que tem sujeitos, tempo e espaço.
Freinet já nos alertava em 1943 de que temos, em geral, uma visão utilitarista da cultura e uma crença exclusiva no poder do aprendizado formal, tendo como base a cultura da escrita predomina também a visão imediatista. Quase 70 anos depois, sua constatação ainda é atual.
A sociedade (famílias, gestores, Estado, parte dos educadores) acaba não desejando 
“...a formação, o enriquecimento profundo da personalidade, mas a instrução suficiente para enfrentar os exames, ocupar cargos cobiçados ingressar em determinadas escolas ou em determinada administração. (...)
E é para esse amanhã imediato que ela (a sociedade) pede à escola que prepare as crianças para os objetivos imediatos que ela impõe e que podem não ser nem mais racionais, nem mais humanos do que aqueles em nome dos quais o industrial empreende a fabricação em série e o lançamento de um objeto inútil à sociedade, ou mesmo perigoso e nocivo.” (p.8)
E nós, educadores no Chão da Escola, quais os objetivos que queremos alcançar em/com a educação? Freinet diz que cabe a nós, educadores, essa missão: precisamos ter claro qual é o nosso ideal, qual o nosso objetivo.
Ele sugere que a criança desenvolve nesta comunidade racional em que vive, a qual serve e é servida, o máximo de sua personalidade.
O que seria o enriquecimento profundo da personalidade na nossa sociedade? Que objetivos imediatos esta sociedade tem nos colocado como “exigência” para “preparar” as crianças? Qual tem sido a nossa contribuição: agimos como um industrial capitalista que fabrica em série e lançamos objetos inúteis, perigosos e nocivos à sociedade? Como escapar dessa dinâmica institucional?
Freinet nos aponta que os interesses predominantes na educação estão distantes da criança, do jovem estudante. Segundo ele, como educadores, podemos contribuir para que a criança eleve-se em dignidade alcançando todo o potencial humano, preparando-a para trabalhar de maneira eficaz, longe das mentiras interessadas, realizando uma sociedade harmoniosa e equilibrada, e justa, acrescentaria eu.
Utopia? Penso que é, porém se não cultivamos sentimentos e desejos utópicos, não iniciamos os movimentos de mudança. Mudanças que quase sempre são no nosso entorno ou até, apenas, em nosso interno, mas que configuram nossa posição de negação com relação ao mundo opressivo, consumista, artificialista, individualista, segregacionista, onde proliferam desigualdades e desumanidades que tanto criticamos.
Esse deve ser então o nosso objetivo primeiro, o desenvolvimento global da criança e do jovem, o qual não podemos perder de vista e que muitas vezes defenderemos sozinhos. Ainda que reconheçamos que teremos “... de conviver sem cessar com o egoísmo, com o interesse mal compreendido, com a organização irracional e a curto prazo – tudo isso, considerações que podem vir a desorientar e perturbar o processo educacional.”
Melhor se não estivermos sozinhos.
Andréia Mascarenhas Silva Bulgarelli
Bibliografia: Freinet, Celestin. Para uma Escola do Povo. Martins Fontes, SP, 2001.