"A educação pelo trabalho é mais do que uma educação comum pelo trabalho manual, mais do que uma pré-aprendizagem prematura; baseada na tradição, mas prudentemente impregnada pela ciência e pela mecânica contemporâneas, ela é o ponto de partida de uma cultura cujo centro será o trabalho."

Célestin Freinet

(A Educação do Trabalho, Ed. Martins Fontes, 1998, pg. 315)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O PERIGO DOS FAZEDORES DE NÓS

    O senhor está me perguntando - disse o velho pastor - se é um trabalho difícil conduzir o rebanho, de Saint-Jean até Saint-Michel, sem perdas nem danos, e garantir gordura boa e pêlo bonito aos animais?
    Não é mais difícil do que manobrar a foice num campo de capim fino, ou carregar sacos de alfazema na albarda dos burros mansos. Só que os velhos pastores guardam os verdadeiros segredos dos seus êxitos e das suas conquistas, e nos orientam para caminhos acessórios, persuadindo-nos de que é necessário conhecer orações e magias, quando apenas o bom senso lhes bastou. Quanto aos carregadores de burros, acrescentam maliciosamente nós supérfluos às cordas da albarda, para nos fazerem crer que há uma ciência dos nós de que são eles os grandes mestres.
    É certo que em qualquer ofício há uma técnica a ser dominada. E é dominada não com truques ou sortilégios, mas segundo leis simples e de bom senso, pois nunca há contradição, entre ciência e técnica, por um lado, e bom senso e simplicidade, por outro. O investigador de gênio é sempre aquele que caminha na direção da simplicidade e da vida.
    E essas leis, todo mundo as compreenderia se, apesar dos traçadores de pistas falsas e dos fazedores de nós, se conseguisse redescobrí-las e colocá-las, como sinais luminosos, nos cruzamentos dos grandes caminhos do conhecimento.
    O que nos atrapalha e nos atrasa nesta investigação científica da verdade não é a dificuldade dos problemas a serem tratados, mas sim a obstinação diabólica com que, desde tenra idade, somos desviados do bom senso, alimentados de Ersatz¹, com que nos estragam o espírito com definições ou invocações, nos deformam o entendimento e a inteligência, levando-nos por falsos caminhos e ensinando-nos a fazer ou a desfazer nós!...
    A verdade é que os nossos mestres e os seus servidores nunca têm interesse em que nós descubramos as leis claras da vida.
    Vivem da obscuridade e do erro... e é sempre apesar deles e contra eles que realizamos a nossa cultura.
    Não cabe a mim dizer-lhe como você poderá descobrir e ensinar essas leis naturais e universais que lhe abrirão depressa, e definitivamente, as leis do Conhecimento e da Humanidade. O que eu sei é que elas existem e que aqueles que as possuem têm todos o mesmo ar de sabedoria e de segurança, de calma e de simplicidade, e de generosidade também, que lemos no rosto dos velhos pastores, nas mãos intuitivas dos curandeiros, nos olhos profundos do sábio, nas decisões e na ação dos militantes devotados, nas palavras dos sensatos... e na espantosa confiança das crianças na aurora da vida.

¹ palavra alemã que significa sucedâneo de qualidade inferior. (N. do T.)
C. Freinet, Pedagogia do Bom Senso, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1996, pg. 05.