"A educação pelo trabalho é mais do que uma educação comum pelo trabalho manual, mais do que uma pré-aprendizagem prematura; baseada na tradição, mas prudentemente impregnada pela ciência e pela mecânica contemporâneas, ela é o ponto de partida de uma cultura cujo centro será o trabalho."

Célestin Freinet

(A Educação do Trabalho, Ed. Martins Fontes, 1998, pg. 315)

terça-feira, 24 de junho de 2014

A VIDA SEMPRE SOBE!

     Começava o dia; as ovelhas haviam deixado o campo onde passaram a noite, e eu saía, com o alforje ao ombro, atrás do pastor plácido e sereno.
    Caminhava por trilhas cujo segredo só ele conhecia. Nenhum animal à nossa volta - apenas um longínquo sussurro e o tilintar dos chocalhos localizando o rebanho em movimento, entre as estradas e os pinheiros.
    Estava inquieto por não ver os meus animais: iríamos encontrá-los antes de transpormos as barreiras, ou teríamos de voltar atrás, para procurá-los durante todo um dia?
    Foi o velho pastor que me explicou a razão da sua serenidade:
    - Garoto, de manhã, os animais sempre sobem. Vão para os cumes. Não é que o pasto lá seja sempre mais abundante ou mais fácil; mas é um instinto do ser lançar os braços para o azul do céu e partir ao assalto dos cumes. O capim, conquistado à força de músculos e tenacidade, tem um valor exaltante, talvez só por ter sido muito desejado...
    - Pode ficar tranquilo: vamos encontrá-los todos lá em cima!
    E acrescentou: - Só me preocupa o pequeno bando de Léon, domesticado demais, habituado demais a comer nos pastos e na manjedoura, e que tem como que a nostalgia das barreiras e do estábulo. Parece que já não têm força para subir; o ideal deles já não é lá em cima, mas embaixo... Preferem a rédea ao azul do céu... lá não são ovelhas dignas e orgulhosas: são cães!
    Ouça os chocalhos, lá em cima, diante de nós! Só à noitinha, quando o sol se extinguir por trás do Rocheroux, os nossos animais também vão descer para a calma e a segurança do vale, para amanhã voltarem a subir mais alto ainda.
    E as crianças - diria o pastor - são como as ovelhas: querem subir sempre. Você só terá paz e certeza se souber ajudá-las, às vezes precedê-las na subida aos cumes, ou segui-las... Infelizmente dos seres domesticados cedo demais que perderam o sentido da subida e que, como velhos em fim de corrida, preferem, ao ar do espaço e ao azul do céu, a coleira da sujeição e a ração da renúncia!
    São bons todos os caminhos que levam para as alturas.
    
C. Freinet, Pedagogia do Bom Senso, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1996, pg. 12. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário